Capítulo 8: A geomatria do vazio
Belzec começa onde a linguagem termina. Não há portões monumentais, nem torres espetaculares contra o céu polonês — apenas uma colina verdejante que poderia ser qualquer colina, e um caminho de pedras irregulares que serpenteia como uma cicatriz mal fechada. Ao pisar neste solo, a primeira sensação é de desorientação profunda. Onde outros campos impõem sua arquitetura do horror, Belzec oferece o silêncio de uma sepultura violada. "Nada mais restou", escrevi no caderno sujo de terra, enquanto o vento cortante de inverno assobiava entre as bétulas. Mas logo percebi o engano: o que parece ausência é, na verdade, a mais cruel das presenças.
O corredor surge como uma armadilha na paisagem. Duas paredes brutas de concreto cru, altas como falésias, convergem progressivamente até estrangular o horizonte. Avanço e o céu desaparece — não gradualmente, mas como se uma tampa de caixão deslizasse sobre o mundo. As paredes não estão simplesmente erguidas; afloram da terra, como ossadas geológicas expostas. Cada passo ecoa de forma obscena naquele estreito. É aqui que a claustrofobia transcende o físico e se torna metafísica: sinto as pedras respirando contra minhas costelas, o peso do concreto sugando o ar dos pulmões. É uma sensação de soterramento em vida, de paredes que se movem para esmagar não o corpo, mas a própria ideia de esperança. Este túnel não é uma reconstrução; é uma profecia em forma de ratoeira.
Quando os nazistas escolheram este pedaço de terra a dois quilômetros da estação de trem de Bełżec, em 1941, sabiam exatamente o que construíam: a primeira fábrica da Operação Reinhard, projetada para um único produto: o desaparecimento. Richard Thomalla, o arquiteto do inferno, traçou linhas precisas sobre a neve. Trabalhadores poloneses — "bem pagos", como dizem os relatórios — ergueram cercas duplas camufladas com ramos de pinheiro. O campo dividia-se em dois mundos: a área de recepção com seus trens e a rampa capaz de engolir quarenta vagões, e o Campo 2, escondido atrás de uma cerca encoberta, onde o Schlauch — "o Tubo" — conduzia às câmaras de gás alimentadas pelo motor de um tanque soviético capturado. A genialidade perversa residia nos detalhes: as portas revestidas de borracha para vedar os gritos, as placas com setas em hebraico apontando para os "banhos", a eficiência industrial que matava mil pessoas em três horas. Tudo meticulosamente planejado para transformar seres humanos em fumaça.
Hoje, caminho sobre o que foi o Schlauch. O chão é um tapete de escória negra que estala sob os pés. Em algum lugar abaixo desta terra, repousam partículas de 434.508 alhas — talvez meio milhão, ninguém sabe ao certo. Os números são conjecturas porque Belzec foi o triunfo do apagamento. Quando Himmler ordenou que todos os vestígios fossem destruídos em 1942, os carrascos obedeceram com zelo religioso. Prisioneiros sobreviventes foram forçados a desenterrar cadáveres inchados pela putrefação. Pilhas de corpos foram regadas com óleo industrial e queimadas ao ar livre. Por meses, uma névoa gordurosa pairou sobre a região — os camponeses raspavam gordura humana de suas janelas, enquanto o cheiro de carne queimada impregna as roupas no varal. Depois vieram os trituradores de ossos do campo de Janowska, máquinas monstruosas que reduziram esqueletos a pó fino como farinha. Por fim, plantaram alfafa sobre as valas e construíram uma fazenda ucraniana sobre o inferno. O crime perfeito: sem corpos, sem provas, sem testemunhas.
Dos 50 judeus que tentaram fugir, apenas sete sobreviveram à guerra. Rudolf Reder, o único a deixar um testemunho completo, descreveu o último dia: "Quando os alemães perceberam que perderiam a guerra, deram vodka aos Sonderkommandos e os enviaram a Sobibor em vagões selados". Leon Feldhendler, prisioneiro em Sobibor, viu chegar aqueles homens fantasmagóricos: "Correram como loucos ao desembarcar. Foram abatidos como cães no campo". A última página da história de Belzec foi escrita com sangue fresco sobre cinzas antigas.
No centro do memorial, a terra abre-se em uma cratera. Dentro, uma montanha de fragmentos negros e acinzentados — não terra, não pedra, mas cinzas humanas compactadas por décadas de chuva e neve. Fragmentos brancos salpicam a massa: lascas de ossos que escaparam ao triturador. Uma placa pede silêncio, mas o que há para respeitar quando a matéria-prima do memorial é o irreconhecível? Uma mulher ajoelha-se e tenta rezar, mas as palavras morrem em seus lábios. Seu olhar fixa-se em um osso fino e curvo não maior que um dedo — poderia ser uma costela infantil. Poderia ser qualquer coisa. Belzec nega até mesmo o direito da identificação.
Ao redor da fossa, placas de aço gravam sobrenomes judaicos: GOLDBERG, ROSENFELD, SILBERSTEIN... seguidos por milhares de pontos. Cada ponto, uma vida sem rosto, sem história, sem lápide. É aqui que a genialidade do memorial reside: ele não tenta reconstruir o irrepresentável. Em vez de barracas fantasmas, oferece apenas a matemática do vazio. Em vez de artefatos, expõe a lógica do desaparecimento. Belzec foi construído para não deixar rastros, e o memorial é um espelho dessa ausência programada.
Ao sair, passo pela "Pedra das Lágrimas". Visitantes deixaram pequenas pedras, flores murchas e um ursinho de pelúcia com a etiqueta em iídiche. Mas o que pesa não são as oferendas — é o silêncio das perguntas sem resposta. Por que Gottlieb Hering, o último comandante, morreu tranquilamente num hospital alemão em 1945 sem julgamento? Por que os camponeses que cavaram as cinzas à procura de ouro dental nunca enfrentaram a justiça? Como explicar que o maquinista dos trens da morte, Franz Suchomel, se aposentou com pensão integral?
Dois quilômetros adiante, na estação de trem de Bełżec, velhos conversam num banco de madeira. O mesmo banco onde oficiais das SS aguardavam o transporte para Lublin após seus turnos de extermínio. O mesmo trilho que trouxe os vagões superlotados. A normalidade é o véu mais espantoso.
Belzec não é um lugar sobre a morte. É um monumento ao êxito da obliteração. Enquanto Auschwitz guarda sapatos e malas como prova, Belzec oferece apenas o buraco negro onde a humanidade se perdeu. E quando saio do corredor de concreto, ofegante, vejo crianças brincando num campo vizinho. Seus gritos de alegria parecem blasfêmias contra o silêncio. Uma anciã polonesa vende chá de uma barraca. "Meu avô trabalhou na construção", diz ela, evitando meus olhos. "Mas ele jurava que não sabia para quê."
A neve começa a cair sobre as cinzas. Cada floco que pousa na montanha negra parece um epitáfio derretido. Belzec nos sussurra a verdade mais terrível: que o mal mais perigoso não é o que se ostenta, mas o que se apaga — e que a indiferença é o solo fértil onde os trituradores de ossos florescem novamente. A máquina foi desmontada, mas seu projeto permanece. Intacto. À espera.
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